domingo, 26 de outubro de 2014

"Eu nunca deixei de gostar de você . Só não dava."


Ela pensou que tava tudo certo, e que só porque não conseguia mais ouvir sua voz, ou ler suas palavras, ele já não existia.
Quando descobriu quão errada estava, já não tinha mais o que fazer. Ele não só ainda estava lá, como também estava por toda parte.
Às vezes, quando ela deitava pra dormir, ele aparecia, e sem saber exatamente porque, ela se sentia triste e derramava uma lágrima ou outra.
Não era sempre, era as vezes.
Em suas raras tentativas de se misturar com os colegas, ela se via em braços alheios, trocando saliva com uns e outros pra tentar distrair sua falta de hábito.
Era o momento em que ela mais se esforçava pra não pensar que, talvez, ele ainda estivesse vivo.
Era um sacrifício enorme, ela nunca gostou de ser tocada por outras pessoas, mas sabe que, se tivesse a chance, ela seria dele, e ele faria o que bem entendesse com o seu corpo, assim como uma vez fez com sua alma.
Ela ainda lembra do dia em que foi lá pegar as coisas dela que ficaram com ele. Na hora de ir embora - coisa que lá fez com muita coragem e bravura, sem titubear -, ela achou que, talvez não fizesse tanto mal se deixasse só um pedacinho dela lá pra ele guardar.
Dia desses, depois de tantos meses desde que ele se fora, ela abriu aquela gaveta. Aquela.
Era engraçado  constatar o quanto eles eram parecidos. Eles sempre souberam disso, mas a distância deixa tudo mais claro.
Ela pensou sobre isso e sorriu.
Lá estava ele. Inteirinho.
Não um pedaço, como o que ela havia deixado com ele.
Não era muita coisa, visto que ele nunca havia sido inteiro na vida, mas era o que tinha.
Ele nunca pediu nada de volta.
Tava tudo lá.
Ela então lembrou do que ele a havia dito uma vez, quando  constataram que não poderiam ficar juntos.

- Você é a minha única chance de ser inteiro.
Ela então pegou as migalhinhas de tudo o que ele havia deixado, e vestiu nela.
Vestiu como uma rainha veste seus trajes impecáveis, mesmo diante das adversidades.
Vestiu como se fosse o mais fino linho já fabricado, e então fechou a gaveta para sempre, e deitou para dormir.
Rezou para que a parte dele que ela vestia, trouxesse paz.
Desejou que a vida fosse mais gentil com os dois, e fechou os olhos, na esperança de que, ao menos aquela noite, os dois melhores amigos pudessem se encontrar.



"Eu continuo chorando,
Eu continuo tentando por você.
Não há nada como você e eu, baby
Esse não é um amor comum.
Não é um amor comum."

No ordinary love - Sade

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